O sistema judicial moçambicano terá sido o único sistema colectivo em que não se verificou uma revolução mas sim uma permanente reforma, desde 1990, através da introdução de Mecanismos Alternativos para Resolução de Conflitos. Facto que contribuiu para redução de processos remetidos aos tribunais e bem como resolução pacifica dos conflitos sociais.
Texto: Coutinho Macanandze
A posição foi defendida pelo director da Unidade Técnica para a Reforma Legislativa de Moçambique (UTREL), Abdul Carimo, durante a sua dissertação no III Congresso do Direito de Língua Portuguesa, que tem como palco a capital moçambicana, Maputo. Onde realçou para a necessidade da criação de instâncias de resolução alternativa, visando introduzir uma mudança qualitativa no processo de reforma de administração da Justiça.
Abdul Carimo disse ainda que a introdução de Reformas Processuais Civis e Resolução Alternativa de Litígios permitiu com que reduzisse o número de processos nos tribunais nacionais.
Com a entrada em funcionamento dos Mecanismos Alternativos de Resolução de Litígios dos 7.913 pedidos que deram entrada no sistema judicial em 2010, destes 5.000 foram alcançados acordos entre as partes, o que significa que 64% dos processos deixaram de dar entrada nos tribunais. No ano seguinte deram entrada 8.673 processos, dos quais 5960 foram resolvidos pelos tribunais comunitários, o que significa que 67% deixaram de dar entrada nos tribunais e em 2012 deram entrada 8.972, deste número 6.630, o correspondente a 71% de processos que não entraram aos tribunais e reduzindo desta forma a pressão sobre o sistema judicial formal.
Carimo é peremptório em sustentar que antes da introdução dos mecanismos alternativos de resolução de litígios encontravam-se pendentes nos últimos cinco anos 13 mil processos que ainda aguardavam a sua tramitação nos tribunais formais.
Segundo Abdul Carimo as reformas políticas e económicas ocorridas nos últimos tempos, impuseram transformações na estrutura do estado, através da redefinição de novas funções do governo, da sua natureza e do seu papel dentro da nova estratégia de desenvolvimento.
No entanto Carimo explicou que o Sistema da Administração da Justiça, não ficou alheia aos recentes ajustes económicos, políticos e sociais, exemplo claro foi a da Lei da Organização Judiciária de 1978. Que regulamentava uma nova estrutura e composição dos tribunais populares. O país não foi capaz de seguir as reformas que impunham ao novo modelo de organização.
Abdul Carimo disse ainda que as reformas das principais leis estruturantes do Sistema da Administração tiveram o seu início em 2000, sob a égide da nova Lei Orgânica do Poder Judicial, dentro dum novo figurino constitucional para definição da natureza do estado e á independência de poderes.
Perante todas as mudanças e desafios que iam surgindo com o passar do tempo, o país instituiu novos Mecanismos Alternativos para Resolução de Conflitos, isto é, em 1999, com o objectivo de dirimir litígios de qualquer natureza, salvo os que por lei especial tem obrigatoriedade de ser submetido ao tribunal judicial ou ao regime especial de arbitragem não revogada. Para além dos que respeitem a direitos indisponíveis ou não transacionáveis, ou seja, não aplicáveis apenas a diferendos de natureza comercial ou empresarial, assegurou Carimo.
Abdul deu a conhecer que a partir daqui, paulatinamente, as reformas que se seguiram, não restritas às processuais civis, foram invadindo áreas antes respeitantes a direitos indisponíveis ou não transacionáveis às partes, como as resultantes das relações laborais, dos contratos administrativos, acidentes de viação, processos de insolvência, resolução do contrato de arrendamento, execução de sentenças arbitrais.
Desta feita, lembra Carimo que Moçambique foi obrigado a juntar-se e a adoptar um sistema de administração da justiça, capaz de responder com celeridade as preocupações da máquina judicial, com base na descentralização de soluções. Bem como criação de uma resposta à situação de precariedade identificada no domínio da justiça, que não esta ligada ao incremento de oferta situada na justiça convencional, materializada nos tribunais comuns.
Carimo aponta para a necessidade de em vez de se propor soluções unívocas, o sistema deve oferecer respostas plurais e propor soluções diferentes para fazer face à conjuntura da crise na justiça dentro da diversidade e complexidade das sociedades. Soluções que passam necessariamente por dar respostas mais flexíveis por parte do sistema da justiça, tendo em vista adequar as novas realidades.
Os mecanismos alternativos de resolução de litígios vem responder o colapso que se produziu ante os organismos jurisdicionais civis e penais, trazendo respostas plurais e soluções diferentes parai novas realidades e pela incapacidade intrínseca do sistema poder assegurar a todos o acesso à justiça,
Por conseguinte, sustenta que os meios alternativos de resolução de conflitos estão a ganhar terreno, que esta a traduzir-se no surgimento de uma mudança qualitativa no processo de reforma de administração da Justiça.
Na sua óptica a intersecção entre o direito público e privado é um movimento crescente, que não retira a efectividade dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos, pelo contrário, traz benefícios no tocante à protecção dos direitos fundamentais.
Neste contexto, em Moçambique, os mecanismos alternativos de resolução de conflitos têm sido implementados em diversos contextos, formais e informais, apresentando permanentemente propostas de pacificação social, fundamentadas no diálogo, na intercompreensão e na implicação dos sujeitos na construção de soluções pacíficas para os conflitos que vivenciam.
Facto Carimo atribui mérito como reconhecimento da sua importância e da forma como, tradicionalmente, as comunidades locais, nos seus mais variados sistemas jurídicos, escritos e não escritos, resolviam as disputas a terceiras pessoas, reputadas, imparciais e reconhecidas, verdadeiros antecedentes da mediação, conciliação e arbitragem, e o seu contributo para a paz social, que a Carta Magna da República de Moçambique, em 2004, fez consagrar no Título I dos Princípios Fundamentais o reconhecimento do pluralismo jurídico na sociedade moçambicana.
Vai mais longe o palestrante ao afirmar que a modernização dos sistemas jurídicos e da administração da justiça, não devem cingir-se somente no sentido de se garantir o reforço da independência do poder judicial, mas também, no sentido de garantir um sistema de administração de judicial plural, credível, previsível, eficiente, oportuno, ágil e acessível.
Carimo é da opinião de que o sistema de justiça observe reformas profundas na sua natureza, na sua estrutura e nos seus procedimentos e que vão a fundo nas causas da sua ineficiência, de forma descomplexada, sem hesitações ou receios, sem estereótipos ou modelos pré-concebidos.
“É inadiável começar já uma reforma que progrida para a construção de um sistema em que a administração da justiça haverá de ser caracterizada por maior acessibilidade, multiplicidade, diversidade, informalidade, comunicabilidade, participação, visibilidade, responsabilidade e reparação efectiva”.
Acrescenta Carimo que nas últimas duas décadas, o sistema judicial preocupou-se mais pela alteração dos códigos fundamentais, dos processos e as orgânicas. Foi também o que se tentou fazer, gradualmente, com a mudança profissional e material, através separação de carreiras, recrutamento e formação de magistrados e oficiais de justiça, novos tribunais, novos edifícios, aquisição de equipamentos.
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