A Casa do Gaiato é um verdadeiro monstro no acolhimento e cuidados prestados a crianças órfãs, abandonadas e desfavorecidas. Sediada no distrito de Boane, na província de Maputo, aquela casa não só é uma referência nacional no tratamento que presta a crianças carenciadas mas, segundo uma equipa de peritos da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), é um modelo único e a ser seguido em diferentes países africanos.
Criada pouco antes da independência nacional, a Casa do Gaiato viria a ser nacionalizada pelo Governo e nela empregue outros serviços públicos. O padre que fundou o centro foi novamente convidado pelo falecido Presidente Samora Machel a regressar ao país e construir tudo de novo de modo a que se prestasse a devida assistência às crianças vulneráveis.
Pertença da Igreja Católica, em parceria com o Governo, todos os professores que ali leccionam são pagos pelo Ministério da Educação. A casa assegura a componente de infra-estruturas. Esta parceria é descrita como valiosa, na medida em que contribui para que os chamados sem-tecto consigam suprir as dificuldades do dia-a-dia. É como nascer de novo.
O asilo presta cuidados diários a 565 crianças e jovens de zero aos 22 anos de idade, sendo 152 em regime de internato. As restantes são externas. A Casa do Gaiato assiste ainda a outros dois mil menores espalhados em creches localizadas em diversas comunidades do distrito de Boane. O centro possui uma escola secundária que garante automaticamente a continuidade dos estudos aos petizes ali acolhidos. Neste lar, apenas os rapazes é que vivem em regime de internato e as meninas aprendem as mais diversas actividades durante o dia e à tarde recolhem para as suas casas. É daí que 356 crianças da comunidade vizinha se deslocam diariamente à Casa do Gaiato para receber assistência, sobretudo escolar.
Os menores aprendem actividades como agricultura e pecuária em extensas áreas, onde cultivam hortícolas e criam gado, produção que serve para melhorar a sua dieta alimentar. Fazem igualmente a reciclagem do lixo para a produção de peças de arte.
Praticamente os menores aqui acolhidos não se conhecem e todos os dias chegam petizes de vários quadrantes deste vasto território nacional. Uns porque abandonaram voluntariamente as suas famílias por julgarem estar a sofrer maus tratos, outros porque perderam os seus progenitores, outros ainda por considerarem que pelo menos integrados nesta casa terão o que comer, ao contrário das suas próprias famílias, onde a alimentação escasseia.
Igualmente estão crianças que nasceram dentro das cadeias. Com as mães condenadas a penas que ultrapassam os 20 anos de prisão e, uma vez não tendo como as alimentar, os parentes preferem entregá-las à Casa do Gaiato para serem cuidadas.
Aliás, ao que apurámos, a Casa do Gaiato não para de ser procurada, sobretudo por mães que voluntariamente pedem para deixar os seus filhos porque não têm condições para as sustentar. Assim, a Casa do Gaiato funciona como uma espécie de nova família de muitas destas crianças. Ou por outra, as crianças ali acolhidas não têm famílias e se as tem, não são referência nenhuma, porque não as garantem um futuro risonho.
Com cinco dormitórios e acolhendo criança com base no critério de idade, em cada pavilhão a responsabilidade foi entregue a duas mais velhas, que trabalham directamente com uma educadora.
De nacionalidade portuguesa, a irmã Quitéria Paciência Torres, há 21 anos na Casa do Gaiato, é quem transmite o carinho e o amor maternal aos milhares de petizes assistidos por este estabelecimento. Actualmente possui estudantes a cursarem Estomatologia, Medicina, Contabilidade, Hotelaria e Turismo e outros ramos técnicos, isto nas cidades de Maputo, Beira, Nampula e Inhambane.
Com a crise mundial a fazer estragos das economias mundiais e os países a tornarem-se cada vez mais dependentes, a casa do Gaiato que vive de caridade não ficou alheia a situação, onde os doadores a cortaram o seu apoio. O que poderá colocar em risco a educação das crianças acolhidas e do seu funcionamento, porque não exerce nenhuma actividade lucrativa, depende única e exclusivamente de apoios da cooperação Portuguesa e Espanhola e do empresariado nacional.
A casa não sabe como vai sobreviver, com o aumento de crianças que precisam de apoio, porque os dias que estão a ser passados são difíceis, onde serão obrigados a fazer algum sacrifício que passa pela
A aposta daquela instituição de caridade é que todos estudem, entrem na universidade e façam cursos ao seu gosto para que amanhã se afirmem como homens. Isto para dizer que a nossa prioridade é que as crianças se envolvam em actividades profissionais que elas mesmo mostrem habilidades de singrar”, disse.
Outro ponto é que o lar dos desfavorecidos conta com 12 crianças seropositivas. Ao que apurámos, algumas estão em tratamento e outras ainda não iniciaram. Tudo indica que o contágio aconteceu durante a gestação. Para a nossa interlocutora, o facto de elas serem seropositivas não altera em nada a rotina do lar, uma vez que o fenómeno é interpretado com muita naturalidade.
“Ninguém as olha como seropositivas. Elas são pessoas normais e convivem sem qualquer discriminação com os “irmãos”. Aliás, uma das nossas aulas tem mesmo a ver com o HIV/SIDA e outras doenças, onde as crianças são ensinadas sobre o que devem e não devem fazer com relação a uma situação idêntica. Isto para dizer que não há risco de contaminação.
Por exemplo, quando uma criança se fere e começa a sangrar todos sabem o que fazer numa situação igual de modo a socorrer o ferido. É aí que eles fazem de tudo para que não haja qualquer contacto sanguíneo. Mas, como disse, o importante é que ninguém olha para o outro como seropositivo. Todos são tratados da mesma maneira” – explicou.
A nossa aposta como centro educacional é fazer com que os meninos tenham uma educação sexual para que cresçam a saber o que fazer da sua vida. Temos aulas nesse sentido, com psicólogos a trabalhar connosco na educação das crianças. Felizmente todos eles estão a se comportar como deve ser, ou seja, guiando-se pelos princípios mais nobres da vida. É verdade que há coisas que nos escapam, mas nada tem a ver com pedofilia” – disse.
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